Impacto do BNDES na desvalorização do real

    Por Claudia Safatle

    Os empréstimos do Tesouro Nacional ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que saltaram de 1,2% para 8,3% do Produto Interno Bruto (PIB) entre dezembro de 2008 e julho deste ano, estão na raiz da desvalorização do real frente ao dólar de maio para cá. No mesmo período, a dívida bruta do setor público aumentou de 63% para 63,7% do PIB, mas poderia ter caído para 56,6% do PIB não fosse a injeção de 7,1% do PIB de recursos da União no banco estatal para financiar a política industrial.

    O caminho para chegar a essa conclusão é tortuoso, mas o diagnóstico é relativamente simples. Com uma dívida maior e juros mais altos que seus pares, os mercados se sentem menos confortáveis com a capacidade de pagamento do Brasil.

    O processo de redução da expansão monetária, sinalizado pelo Federal Reserve (FED) em maio, produziu um ajuste global de taxas de câmbio, incluindo a forte desvalorização do real. Investidores estão sendo atraídos pelo aumento das taxas de juros americanas, precedido de melhor desempenho da maior economia do planeta. E isso leva à valorização do dólar.

    Mercado está mais preocupado com dívida bruta

    Os anos de juros muito baixos nos EUA incentivaram fortes fluxos de recursos a economias emergentes, levando à valoriza- ção de suas moedas. A reversão dessa situação produz movimen- tos bruscos e turbulências. Mas alguns países apanham mais que outros. Por quê?

    A resposta mais óbvia estaria no tamanho do déficit em conta corrente dos países. Quanto maior o déficit, e, portanto, a necessidade de financiamento externo, mais vulnerável ele se torna à redução da liquidez internacional.

    Para uma investigação mais acurada em busca de respostas menos óbvias – as moedas de países como Brasil, Índia e África do Sul se depreciaram mais do que as de outros como México, Rússia ou Chile -, os economis- tas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) selecionaram 18 economias (emergentes ou ricas com dependência de commodities) de todos os continentes. Eles tabularam diversos indicadores dessas economias, chegando a uma conclusão surpreendente.

    “Os indicadores com melhor poder explicativo – para diferenciar as desvalorizações ante o dólar daquele conjunto de países desde o início de maio – são a dívida bruta, em 2012, e a taxa básica de juros no primeiro trimestre de 2013”, contam os autores na edição da Carta do Ibre que será divulgada na semana que vem.

    Ou seja, o modelo “aponta a fragilidade fiscal como fator singular mais associado ao fato de alguns países terem sofrido desvalorizações mais intensas do que outros”. Isso significa que o mercado está mais preocupado com as dívidas do setor público e mais descrente da qualidade dos seus créditos, do que com o déficit externo.

    Segundo o diretor do Ibre, Luiz Guilherme Schymura, o endividamento bruto explicaria 60% da desvalorização. O entendimento dos outros 40% estaria na desaceleração da China. Foram medidas as exportações de bens primários de cada país do grupo para a China, como proporção do PIB. “Essa variável também mostrou um poder explicativo relevante”, diz o texto da Carta. O Brasil se encaixa nas duas categorias.

    Vistas pela ótica da dívida líquida, as contas públicas são razoavelmente sólidas no país. Mas os mercados estão interessados na trajetória da dívida bruta e da taxa Selic, ressalta Schymura. Nessas duas variáveis, o Brasil não anda lá muito bem. Da relação entre a dívida bruta e a Selic se extrai o serviço da dívida pública que é confrontado com a capacidade de pagamento do país. É para isso que os olhos dos mercados se voltam.

    A dívida líquida como proporção do PIB – 34,1% em agosto, segundo dados do Banco Central, é razoavelmente pequena. A bruta (63,7% do PIB em julho), não.

    Pelos dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), o Brasil estaria entre os de pior indicador na combinação do endividamento bruto e da taxa básica de juros no universo dos 18 países (Austrália, Canadá, Malásia, Noruega, Peru, Taiwan, Tailândia e Turquia, além dos já citados). A base de comparação do fundo é de 2012, quando a dívida/PIB no Brasil chegou a 68,47% – quase o dobro da média dos emergentes, de 35,2%, e bem acima da média latino-americana, de 52,4%. Na Índia, por exemplo, que é um país em sérias dificuldades, era de 66,8% do PIB.

    De maio ao dia 22 de agosto, data de corte do trabalho, as desvalorizações ante o dólar nesse universo de países variaram de um mínimo de 1,2%, na Coreia do Sul, a um máximo de 22%, da rúpia indiana. O real depreciou-se 18,7%, o dólar chegou a ser cotado a R$ 2,44 no dia 22, quando o Banco Central, que decidiu por uma “ração diária” de moeda ao mercado e fez a cotação cair para R$ 2,28.

    Não há um patamar de dívida bruta a partir do qual o sinal vermelho se acende. Aliás, estabelecer um teto foi um dos objetivos do polêmico estudo dos economistas Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart, de 2010, que, descobriu-se mais tarde, continha erros do programa de computador.

    Do estudo do Ibre pode-se concluir que o mercado vem penalizando as moedas das economias com maior fragilidade fiscal, expressa num elevado custo de rolagem da dívida pública; e/ou com forte exposição à China.

    Tomando como correta a conclusão do estudo, as empresas e consumidores brasileiros deverão pagar mais juros e colher menos crescimento, por uma política industrial financiada com recursos do Tesouro ao BNDES. “Dentro da complexidade da economia contemporânea mundial, este é mais um caso típico de consequência imprevista e, no particular, negativa de uma política pública promotora de significativa transferência de renda”, diz a Carta do Ibre-FGV.

    Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação e escreve às sextas-feiras.

     

    Fonte: Valor Econômico

     

     

    Matéria anteriorDeve o BC lançar mão de suas reservas?
    Matéria seguinteMeta não será perseguida “a qualquer custo”