Dólar lá fora vira bom negócio

    Exportadores lucram R$ 40 bilhões com valorização de seus créditos comerciais acumulados fora do país

    Gustavo Machado
    São Paulo

    Se a desvalorização do real ainda não está ajudando empresas brasileiras a exportar mais, ao menos tem garantido bons rendimentos com a variação cambial para aque -las que mantêm dólares em contas no exterior. Desde maio, companhias brasileiras lucraram R$ 40,2 bilhões com a depreciação do real ante o dólar apenas com os recursos que possuem em contas exportação em outros países.

    O crédito comercial do Brasil tem crescido mês a mês com a opção das empresas em não repatriar parte das receitas oriundas das vendas ao exterior. Entre maio e julho, saltou US$ 10,7 bilhões. De acordo com a última nota do setor externo publicada pelo Banco Central, as empresas já acumulam US$ 117 bilhões no exterior. O volume é recorde. Em reais, o crédito comercial passou de R$ 212,7 bilhões em abril para R$ 263,4 bilhões em julho.

    O avanço da conta exportação nos últimos três meses representa 16,8% dareceita obtida com exportações no período. Desde o terceiro trimestre de 2009, quando a conta exportação somavaUS$ 13,2bilhões, os exportadores não detinhamparte tão grande das vendas no exterior.

    Estas “reservas privadas”, além de proteger grandes companhias de variações bruscas no câmbio, representam quase um terço das reservas internacionais do país. Segundo o BC, elas estão em US$ 372,3 bilhões.

    No entanto, as reservas privadas podem jogar contra a estabilidade da moeda brasileira. Enquanto que, em um momento de desvalorização do real, elas representam uma proteção, em outro, de valorização, pode haver uma busca por rentabilidade. Afinal de contas, são R$ 40 bilhões adicionados ao patrimônio das companhias nacionais.

    Caso seja vantajoso para as companhias repatriar todo esse volume, uma instabilidade grande seria causada no mercado de câmbio. Assim como o acúmulo de crédito comercial no exterior ajuda a desvalorizar o real, trazer estes créditos de volta representa uma pressão para a valorização.

    “A depender do interesse de cada empresa, elas podem trazer de volta e simplesmente apropriar este lucro. Sem fazer nada, estas empresas já ganharam um montante muito grande”, avalia João Medeiros, diretor da Pioneer Corretora.

    Ele conta que a opção de deixar no exterior a receita das exportações passou a existir em abril de 2006, quando o Banco Central permitiu a operação. A medida foi adotada para reduzir a pressão de valorização do real que a crescente venda de commodities estava gerando. Hoje, a estatal Petrobras e a companhia Vale são as empresas que detêm maior parte do total de crédito comercial brasileiro.

    Medeiros deixa claro que as empresas não estão jogando contra o real, mas que este lucro não deverá ser deixado de lado. “Há muito isto deixou de ser um hedge (proteção) natural. Compõe um portfólio de investimentos”, afirma.

    Para o ex-diretor do Banco Central Carlos Thadeu de Freitas Gomes, “está passando da hora” de as companhias trazerem de volta este dinheiro. “Quem ainda está acumulando dinheiro de exportação lá fora está esperando uma alta do dólar até R$ 2,50. Isso não deve acontecer”, diz Gomes, que é economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC).

    Ele conta que a “histeria com o possível fim Quantitative Easing” — o programa de recompra de títulos praticado pelo Federal Reserve, o banco central americano — levou a esta escalada das reservas internacionais. Caso algum fato ou rumor derrube a cotação do dólar no mercado internacional, o efeito contrário acontecerá.

    Segundo Gomes, empresas brasileiras correriam para trazer de volta para o país parte de seus créditos comerciais e do lucro auferido durante o período de desvalorização da moeda brasileira. “É natural que a conta exportação tenha inchado em meio às incertezas com a política monetária ame -ricana. Da mesma forma, pode diminuir caso as empresas acreditem que o real voltará a se valorizar. Não tenho dúvidas de que, com uma queda do dólar, haverá um movimento na direção oposta” , avalia o economista.

     

    Fonte: Brasil Econômico

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