Dilma dividida entre o mercado e a eleição

    VICTOR MARTINS
    DECO BANCILLON

    O intervencionismo do governo na economia e o descuido com as contas públicas criaram nós difíceis de desatar, que ainda podem custar caro à presidente Dilma Rousseff nas eleições. Hoje, ela tentará se desvencilhar de uma parte dos problemas ao bater o martelo quanto à meta fiscal que será perseguida neste ano. A decisão vai mostrar se a chefe de Estado prefere satisfazer o mercado, comprometendo-se com um superavit primário (economia para pagar os juros da dívida pública) confiável, e evitando o rebaixamento da nota de crédito do país, ou priorizar interesses eleitorais.

    A presidente deve divulgar o decreto de execução orçamentária, que definirá o tamanho do corte de gastos a ser feito no Orçamento, além da meta de superavit. O documento indicará também se o Tesouro — vale dizer, o contribuinte — pagará sozinho a fatura da disparada dos preços da eletricidade, subsidiando as distribuidoras, ou se vai rateá-la com os consumidores, por meio do aumento das contas de luz.

    Em setembro do ano passado, já de olho na reeleição, Dilma anunciou a redução de 20% no valor da energia elétrica. A promessa, no entanto, está prestes a ruir, colocada em xeque pela crise energética provocada pela estiagem e pelas altas temperaturas. O governo, que até agora tem bancado as perdas com o acionamento das usinas térmelétricas, que geram energia bem mais cara que a das hidrelétricas, pode ser obrigado a desembolsar R$ 18 bilhões para manter a palavra da presidente e evitar um pesado reajuste das tarifas e o reflexo na inflação.

    Há quatro anos seguidos, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medida oficial do custo de vida, fica persistentemente acima da meta, de 4,5%. O economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Newton Rosa, explica que um forte aumento na conta de luz jogaria lenha na fogueira inflacionária em pleno ano eleitoral. “Esse é um risco com o qual ninguém contava, que pode exigir esforço ainda maior do governo em 2014”, disse.

    Só para cobrir os gastos com as térmicas, os brasileiros terão de pagar 4,6% a mais este ano, conforme cálculos da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Se quiser evitar um aumento ainda mais pesado —, o mercado calcula que seria preciso um reajuste de 15% para equilibrar os custos do sistema — o governo terá que abrir mais os cofres. O problema é que não há espaço para abrigar despesa de grande magnitude, sobretudo porque a equipe
    econômica precisa apresentar um superavit primário consistente, próximo de 2% do Produto Interno Bruto (PIB).

    Sem essa garantia, a percepção de investidores internacionais sobre a saúde financeira do país tende a piorar. “O ponto de maior sensibilidade no momento é a fixação da meta de superavit, que deve ser crível e factível. O governo não pode errar na dose”, afirmou Sidnei Nehme, diretor executivo da NGO Corretora.

    As negociações sobre o corte no Orçamento foram tão difíceis que obrigaram o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a cancelar viagem que faria hoje à Austrália para participar de reunião de ministros do G-20, o grupo das 20 maiores economias do planeta. O economista Mansueto Almeida, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ponderou que o espaço para um ajuste é pequeno. “O mais provável é que programas sociais sejam revistos, o que já se ouve com frequência no próprio Ministério da Fazenda”, disse. “Quem andou por lá escutou isso, sobretudo em relação a seguro-desemprego, abono salarial, pensões e até mesmo à regra de reajuste do salário mínimo”, listou.

    Juros
    A redução da taxa básica de juros (Selic) foi outra promessa de Dilma que se tornou insustentável. De agosto de 2011 a março de 2013, o Banco Central (BC) seguiu à risca as ordens do Planalto e derrubou a Selic de 12,50% para 7,25% ao ano. Sem a ajuda de uma fiscal sólida, porém, em abril do ano passado, a inflação beirava o intolerável e as perspectivas para os meses seguintes pioravam consideravelmente. Sem alternativa, o BC voltou a subir os juros, mesmo com a perspectiva de atividade econômica fraca.

    O mercado, agora, cobra ajustes. “Política fiscal, inflação e incertezas políticas são um conjunto de variáveis não equacionado. Com isso, nossa previsão para 2014 é de crescimento de apenas 1,5%, mas meu viés é de baixa”, afirmou Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Fibra. Newton Rosa é enfático: se o governo não conseguir fechar a torneira dos gastos, o consumo seguirá em alta, pressionando a inflação. Assim, restaria acionar a política monetária para interromper a escalada do custo de vida.

    Com os preços sob controle, o governo conseguiria, enfim, atrair os investimentos para destravar a infraestrutura, aumentar a competitividade da indústria e colocar a economia para crescer.

    » Desperdício de R$ 2,7 bilhões

    O Tribunal de Contas da União (TCU) informou ontem que os consumidores arcaram com prejuízos de pelo menos R$ 2,7 bilhões nas contas de luz por falhas no sistema elétrico do país. No entender do órgão, de 2009 a 2013, houve atrasos em obras na linha de transmissão Acre-Rondônia e desperdícios nos subsídios a moradores da Região Norte. Para o TCU, está havendo “desperdícios” inaceitáveis num momento em que o país está ameaçado por um racionamento.

     

    Fonte: Correio Braziliense

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