Por Sergio Lamucci | De Washington
Com a crescente importância dos países em desenvolvimento na economia global, um choque que atinja essas economias tem potencial para fazer estragos consideráveis nos países desenvolvidos. Além do maior peso das nações emergentes no PIB mundial, as economias avançadas estão hoje mais integradas a esses países, como nota um relatório recente do Morgan Stanley, que aponta ainda o fato de que o mundo desenvolvido está numa posição de maior fragilidade econômica do que no fim dos anos 1990, quando houve uma série de crises nos países em desenvolvimento. Nações como México, Tailândia, Coreia do Sul, Indonésia, Malásia, Filipinas, Rússia, Argentina e Brasil sofreram com paradas súbitas de capital entre 1994 e 1998.
“Se um choque nos mercados emergentes se materializar, nós acreditamos que o impacto sobre os países desenvolvidos pode ser mais forte do que no fim dos anos 1990, e tende a durar mais”, diz o estudo do Banco de investimento. A zona do euro e o Japão poderiam voltar à recessão, enquanto os EUA teriam um baque não desprezível. Uma parada súbita de capitais num país emergente importante ou uma desaceleração abrupta do crescimento da China poderiam causar o problema.
A questão é que, para vários analistas, o risco de uma turbulência forte e generalizada nos países em desenvolvimento parece bastante improvável. Os problemas seriam mais localizados do que sistêmicos, como avalia Jay Bryson, economista-chefe global do Wells Fargo, que vê níveis mais elevados de reservas como um dos trunfos dessas economias – é o caso do Brasil.
Em 2013, os países em desenvolvimento responderam pela primeira vez por mais de 50% do PIB mundial, de acordo com números do Fundo Monetário Internacional (FMI). Nesse cenário, os países avançados estão mais interligados a essas economias, por meio de exportações, receitas de empresas, o setor bancário e o canal financeiro, diz o Morgan Stanley.
Para o Banco, uma parada súbita no fluxo de capitais para um país emergente de peso poderia deflagrar o choque. O Banco diz que os integrantes do que chama agora de “clube dos déficits duplos” – e não mais de cinco frágeis – continuam expostos a esse risco. Cita África do Sul, Brasil, Índia, Indonésia e Turquia, e afirma que Rússia e Tailândia são candidatos ao grupo, composto por países com uma situação externa e fiscal mais vulnerável, na visão do Banco. Uma alta mais forte dos juros nos EUA e uma valorização do dólar poderiam ser gatilhos para esse movimento, num quadro em que o Federal Reserve (Fed, o Banco CENTRAL americano) promove a redução gradual dos estímulos monetários.
A China é outra possível fonte de um choque. Como lembra o Morgan Stanley, a demanda doméstica chinesa é importante tanto para as vendas de manufaturados como de commodities de outros emergentes. “A fatia da China no comércio global emergente aumentou para cerca de 27%, acima dos 12,4% de 1996 e dos 4% de 1980. Além disso, a China responde por cerca de 40% a 60% do consumo de commodities globais importantes, do cobre ao carvão”, aponta o Banco.
A parada súbita de capitais num dos emergentes ou um problema mais grave na China impactaria os países desenvolvidos por três canais, nas simulações do Morgan Stanley: as importações dos emergentes cairiam 15% por dois trimestres, antes de se recuperarem modestamente, as condições financeiras teriam uma deterioração parecida com a registrada no fim dos anos 1990 e os preços de commodities recuariam, com as cotações do petróleo caindo para cerca de US$ 80 o barril.
Nos EUA, o PIB tenderia a ficar 1,4 ponto percentual menor, em termos anualizados, nos quatro primeiros trimestres após o choque sobre os países em desenvolvimento. O efeito sobre as exportações e sobre as condições financeiras, contudo, seria compensado pela reação do Fed e pelos preços mais baixos de commodities. O impacto só não seria maior porque a economia dos EUA está um pouco mais robusta.
Na zona do euro, o risco seria de uma recessão, com trimestres consecutivos de queda no PIB. O impacto sobre o crescimento seria forte, mas a moeda desvalorizada e os juros baixos poderiam ajudar a empurrar o PIB para cima em 2015. No Japão, também haveria o risco de recessão, com vários trimestres no vermelho e o peso sobre a expansão do PIB se estendendo em 2015. Três quintos das exportações japonesas vão para emergentes. A resposta do Banco CENTRAL do Japão e as cotações mais baixas de commodities seriam um alívio, mas ficaria mais difícil escapar da deflação.
Um ponto é que hoje as economias emergentes parecem em geral menos vulneráveis do que no fim dos anos 1990. Bryson, do Wells Fargo, acredita que os riscos nos países em desenvolvimento são “idiossincráticos, e não sistêmicos”. Segundo ele, as economias avançadas estão de fato mais expostas aos países emergentes do que há 10 ou 20 anos, mas os números não parecem ameaçadores.
“Nós não acreditamos que a recente volatilidade nos mercados emergentes vai levar a um colapso no crescimento dos países em desenvolvimento como em 1997 e 1998, porque os fundamentos econômicos do mundo emergente não estão fracos em geral como estavam no meio dos anos 1990”, afirma ele, observando que muitos países têm grandes colchões de reservas e adotam hoje regimes de câmbio flutuante.
“A repetição de uma crise como a de 1997-1998 nos emergentes é improvável”, diz, na mesma linha, o economista-chefe da IHS Global Insight, Nariman Behravesh. “As fragilidades parecem específicas a um número relativamente limitado de países, não parecendo haver um problema sistêmico”, escreve ele, observando também que a maior parte dessas economias tem regime de câmbio mais flexível, um volume maior de reservas e bancos mais saudáveis.
O relatório do Morgan Stanley também cita o fato de que mais países emergentes têm hoje câmbio flutuante, além melhores fundamentos do que no fim dos anos 1990, como fatores que contribuem para evitar um choque. Ajuda ainda o fato de o mundo desenvolvido dar mostras de recuperação desde o ano passado, e de haver a expectativa de que a política monetária nas economias avançadas deverá permanecer expansionista por um bom tempo, segundo o Banco.
Fonte: Valor Econômico