O Brasil é um dos poucos países relevantes da economia global que está aumentando as taxas de juros. Com uma moeda ainda valorizada, pratica uma política cambial que, feita em tese para reduzir a volatilidade, tem uma dinâmica que tende a impedir a correção necessária. Boa parte do mundo vive sobre o risco de deflação, inclusive a China. O Brasil, após usar o câmbio para conter a inflação, tem o terceiro maior índice entre países do G-20, com 6,41%.
A inflação poderá chegar a 7,43% em fevereiro, e a taxa Selic deve subir mais uma vez. O Banco CENTRAL tem sido obscuro e oscilante em suas sinalizações sobre os rumos que a política monetária tomará. A presidente Dilma Rousseff, em discurso na primeira reunião ministerial de seu segundo mandato, citou como prova de que não foi leniente com a inflação o fato de ele não ter rompido o teto de 6,5% da meta da inflação – embora sempre estivesse muito próximo dele. O fato é que se o BC mirou o centro da meta, fracassou em sua missão. Agora, em novo contexto, precisaria acertar o alvo.
Nos últimos três anos, o BC teve contra si a política fiscal expansionista e o uso dos bancos públicos para expandir o crédito, ações do governo que minaram a força do aperto monetário quando ele foi executado.
Mas, até outubro, e por muitos meses antes, quando o desempenho fiscal se deteriorava à luz do dia, o BC apontou seguidamente que se deslocava para a zona de neutralidade.
2014 terminou com o primeiro déficit primário desde 1997 e a política fiscal foi extravagantemente expansionista, mas o BC não parece ter levado isso em conta. É compreensível e correto que ele não se meta em áreas fora de sua competência, mas não que deixe de agir com rigor necessário diante de condições adversas para a inflação.
A mudança de orientação do governo põe o BC diante da tarefa de calibrar os juros contando finalmente com o apoio da política fiscal. O BC tem vacilado sobre o que fazer e isso se reflete em um linguajar ainda mais tortuoso do que o usual para comunicar seus rumos futuros. Na ata de setembro, a inflação deixou de ser “resistente” e “tende” a entrar em rota de convergência para a meta. Na de outubro, o juro passa a subir (0,25%), e o BC se diz “especialmente vigilante”. Na seguinte, em dezembro, dobra a dose de aumento de juros (0,5 p.p) e parte-se para o esoterismo, com o BC apontando que se manteria “especialmente vigilante” e “parcimônia” na alta dos juros.
No Relatório de inflação de dezembro, o BC elevou o tom e escreveu que faria “o que for necessário” para levar a inflação à meta. Em janeiro, o juro subiu também 0,5 ponto, mas a “parcimônia” e “o que for necessário” sumiram. Em seu lugar, surgiu a afirmação de que os “avanços alcançados no combate à inflação ainda não se mostram suficientes”.
As condições econômicas não se alteraram tanto quanto o linguajar do BC.
A comunicação truncada do BC, as mudanças de palavras sem o substrato de explicações explícitas dos motivos que as provocaram, vão na direção contrária da comunicação mais clara possível que Fed e outros BCs têm buscado. A dúvida nestes casos é: mudou a linguagem ou mudou a análise? O que aconteceu, por exemplo, com as “mudanças estruturais significativas na economia brasileira, as quais determinaram recuo nas taxas de juros em geral e, em particular, na taxa neutra”, e o “elevado grau de perenidade” das condições que as permitiram, apontadas pelo Copom em abril de 2013? Não há só sinalização dúbia, mas também deficiência na sinalização. Em várias atas, inclusive na última, o BC repete que “a demanda agregada tende a se apresentar relativamente robusta no horizonte relevante para a política monetária“, ou seja, até 2016.
Citam-se fatores como “crescimento da renda”, “condições financeiras relativamente favoráveis” e estímulos aos investimentos. Mas o que se vê já há algum tempo não é nada disso.
A economia caminha para a recessão, o boletim Focus prevê avanço de 0,03% em 2015 e desempenho nada brilhante em 2016. Há forte queda dos investimentos, retração da indústria, e chances de racionamento de energia e água.
Se o BC crê no que está na ata, a opção clara é subir os juros no passo atual por mais um tempo, já que a inflação poderá até estourar o teto da meta em 2015. Se há prostração da demanda agregada e estagnação, o certo é parar com a alta dos juros, e quando der, baixá-los, como faz hoje a maioria dos países.
Entre vigilâncias e parcimônias, não se sabe o que o BC quer, nem se vê o que ele enxerga.
Fonte: Valor Econômico