O resultado do imbroglio entre o governo Obama e a oposição republicana deverá acarretar na extensão dos incentivos do Fed para a economia dos EUA, com reflexos positivos para o Brasil
Marcelo Loureiro
A novela sobre o aumento do teto da dívida norte-americana trará como consequência o adiamento da retirada de incentivos na política econômica dos EUA. O Brasil e seus pares em desenvolvimento, que sofreram pressões em suas moedas desde a indicação do Fed, o banco central dos EUA, de que os incentivos estavam com os dias contados,voltam a ter motivos para sorrir. É nisso que acreditam as fontes ouvidas pelo Brasil Econômico, no primeiro dia de uma semana que promete ser tensa para investidores de todo o mundo. “A redução na compra dos títulos da dívida norte-americana está postergada. Esse ano não virá”, acredita Mônica de Bolle, sócia-diretora da Galanto MBB Consultoria.
Na opinião da especialista, a paralisia do governo só não apresentou resultados negativos até agora por um motivo singelo. “Os pesquisadores do governo não estão trabalhando, mas quando os dados voltarem a ser produzidos indicarão o resfriamento da atividade econômica”. O remédio será o retardamento do que se esperava da instituição monetária, que anunciou a projeção de retirar os incentivos pelas evidências de recuperação apresentadas pela economia dos Estados Unidos.
O movimento de reavaliação de ativos brasileiros, como consequência do anúncio, faz parte do passado. Nesse novo cenário, não resta muita alternativa a Janet Yellen, a nova presidente do BC norte-americano, cuja posse deve ocorrer em janeiro de 2014. Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central e sócio da Tendências Consultoria, destaca que a volatilidade dos últimos dias não é só econômica. “Há poucas semanas, a questão era o fim dos estímulos”.
A economia norte-americana ia tão bem que eles deixaram de ser necessários. Hoje, o assunto é o não pagamento da dívida do país mais rico do mundo, que tem como maior credor seu próprio tesouro, com US$ 2 trilhões em carteira (veja arte). Está claro, para Loyola, que o problema não é econômico, é político. A reação blasé do mercado faz parte do jogo. Um default nesses termos é tão insólito que a pressão dos mercados não tem sido feita, como houve na reprovação do TARP (programa de salvamento dos bancos) pelo Congresso, em 2008. Naquela época, as bolsas despencaram a níveis recordes que não eram vistos desde 1987.
A queda forçou a aprovação do salvamento dos bancos pelos congressistas dias depois. “Dessa vez, a situação é tão absurda que os mercados não conseguem precificar. Moratória ocorre quando não há dinheiro, e esse não é o caso”, afirma a especialista. A consultora relaciona o cenário como uma mesa de pôquer com três jogadores. Republicanos, democratas e o mercado ainda não piscaram, mas não demoraram muito a fazê-lo. Marcelo Torto, da Ativa Corretora, adianta um movimento. “ Em momento nenhum, até quarta-feira, o mercado vai tomar uma posição.” Algo parecido foi dito por Mario Roberto Mariante, da Planner Corretora.
“O investidor está assistindo ao impasse fiscal nos EUA. Se houver um acordo, o mercado reagirá positivamente”. Loyola enxerga que o impasse nessa mesa terminará em breve: “Os mercados não reagem porque acreditam em uma solução dada pelos políticos, e os políticos não reagem porque esperam o mercado se mexer. Isso só vai mudar com a aproximação das datas”. O pouco caso tem uma explicação racional para Fernando Fix, economista-chefe da gestora Votorantim Wealth Management.
“O mundo não acabará no dia 18 de outubro porque os EUA terão como pagar suas dívidas. A discussão é sobre a rolagem dos títulos norte-americanos, e não sobre a capacidade de pagamento do país”, afirmou. Para Fix, declarações apocalípticas fomentadas pelo governo Obama só atrapalham nesse momento: “A situação da dívida dos EUA merecia uma discussão mais séria sobre sua sustentabilidade”. Essa declaração diminui a confiança na economia mundial, mais um incentivo à manutenção da política expansionista que estava com os dias contados, há duas semanas. André Perfeito, economista-chefe da gestora Gradual Investimentos, crava: não haverá default da dívida norte-americana.
O gestor tem dúvidas, entretanto, a respeito da reação da economia brasileira ao imbroglio na América do Norte. Quando o acordo entre democratas e republicanos vier, em breve, a manutenção da política expansionista vai fazer com que o real se valorize. “O dólar vai cair. O governo brasileiro, que acabou de retirar as barreiras de entrada à moeda norte-americana, vai reavaliar as medidas? Se alguém apostar que o dólar subirá nos próximos meses, estaremos em lados opostos”, resume o economista.
O presidente Obama desmarcou um encontro com lideranças do Senado, na tarde de ontem, na esperança de que os parlamentares amarrassem um acordo sem a participação da Casa Branca. Os líderes democratas e republicanos se reuniram em pleno feriado de Colombus Day para tratar do assunto, que terminou o dia sem solução. Mas o tom foi mais ameno do que aquele apresentado pelo presidente Obama nos últimos dias.
“O fato de a reunião ter sido adiada é provavelmente um bom sinal, pois significa que os congressistas estão discutindo e podem ter um debate de maior qualidade”, afirmou o sócio da Órama Investimentos Álvaro Bandeira. O dólar, que fechou o dia cotado a R$ 2,19 – alta de 0,25% em relação ao fechamento de sexta-feira – medirá nos próximos meses o quanto a disputa entre republicanos e democratas será positiva para a economia dos emergentes.
Adiar redução do programa de apoio do Fed pode ser pior.
Os países emergentes deram um suspiro de alívio quando o Federal Reserve (Fed), banco central dos Estados Unidos, decidiu não reduzir seu estímulo monetário no mês passado, aliviando a pressão para que os mercados emergentes implementem reformas estruturais em suas economias. Alguns analistas, entretanto, avaliaram que os emergentes terão melhor desempenho ao optarem por tomar medidas para apoiar as economias e não confiarem na habilidade de o Fed evitar turbulências no mercado.
“Quando a redução ocorrer será difícil para todo mundo”, disse James Barrineau, que ajuda a gerenciar US$1,89 bilhão da dívida de mercados emergentes na Schroders Plc. “Veremos mais volatilidade no mercado. A hipótese de que teremos um período de calmaria é equivocado”. Uma década de elevados preços de commodities, aumento da liquidez global e de rápido crescimento que levaram dezenas de milhões de pobres para a classe média e reforçaram as finanças e as economias de países como Turquia, México e Brasil. Entretanto, esses motores da economia global têm perdido fôlego nos últimos anos à medida que as reformas estruturais para afrouxar as leis trabalhistas e atrair investimento de longo prazo têm ficado para trás.
“Acho que é bom ter um pouco de pressão sobre os países de mercados emergentes para que façam as suas obrigações”, disse o economista do Goldman Sachs para América Latina, Alberto Ramos. “Quando o Fed se der conta de que precisa reduzir (o estímulo), seria um pouco tarde e eles podem ter que fazer a redução mais rapidamente”, disse o economista- chefe do Itaú Unibanco, Ilan Goldfajn. “Se (a redução) ocorrer um pouco mais tarde e de maneira mais rápida, será um verdadeiro desastre para os países de mercados emergentes”.
Fonte: Brasil Econômico