Até hoje não sei qual o cheiro que eu mais gostava quando criança: se o do arroz jogado no óleo quente na panela para ser refogado com o alho, ou se o da comida pronta. Só tenho certeza que foi a minha mãe quem me iniciou na arte do reconhecimento das melhores fragrâncias. Nos dias de chuva, quando aos pingos misturavam-se as folhas caídas, ela nos levava ao pomar da casa para sentir o cheiro de terra verde que subia do solo. A adolescência me desviou do inocente odor de terra, para o delicioso e perigoso perfume de mulher. Prazer intensificado após assistir O Selvagem, filme em que Ives Montand vivendo um perfumista, acolhe em sua residência colombiana uma francesa fugida do altar. A noiva era Catherine Deneuve, mulher tão linda que, ainda hoje, por onde passa, provoca estupefação por sua beleza e de quem, só de imaginar, consigo sentir o irresistível aroma. Convivo com estranhas histórias de odores. Um ex-coleguinha, cujo ponto forte não era a higiene, vivia contando que no aconchego do motel não permitia nenhuma espécie de ventilação objetivando impedir que o vento diluísse os perfumes exalados. Na opinião dele tudo no ato sexual tinha que ser natural, até os cheiros. Já imaginou? Na faculdade, um professor surgiu com a teoria de aceitação dos cheiros do corpo. Ao tentar “vender” a idéia foi abatido na decolagem: “- Mau cheiro dos pés e das axilas não são questões de naturalidade. É falta de higiene, mesmo!”. Disse alguém lá do fundo. No elevador elogiei o aroma de uma colega. Inconformada, sua acompanhante, propôs que eu a cheirasse “in loco” para constatar a superior qualidade do seu cheiro. A “cheirosa” não perdeu a pose: “amiga, não basta tomar banho de perfume, tem que possuir índice ideal de “pH” na pele! É igual à mulher de César: não basta ser honesta, tem que parecer honesta!” Esse texto possuía como mote o fato de que tenho certeza de que o dia será perfeito quando logo pela manhã uma dessas “cheirosas” senta ao meu lado na condução exalando o seu perfume de mulher. Todavia, foi só eu pensar nisso e veio um desses cronistas profissionais para roubar a idéia. Olha o que contou o Renato Lemos, num texto para o JB: "Outro dia, uma garota saindo do banho entrou no meu ônibus, 434, Grajaú-Leblon via Flamengo. Um itinerário complicado. E calorento. Inverno de 40º. Então a garota que saiu do banho sentou-se do meu lado. Não sei que roupa estava usando nem se era bonita. Devia ser bonita. Estava com o cabelo molhado. Tinha usado um sabonete comum. Lavanda. E, por um instante, era como se não houvesse nada lá fora. Nem PT, nem crise, nem Dirceu, nem suor, miséria ou derrota, tristeza ou bolha no pé. Nem porra nenhuma. Só a garota saída do banho.” É! Pois é! Depois dessa só me resta sair de “fininho”. Sem deixar rastro. E muito menos cheiro.
Inicial PERFUME DE MULHER