Amigos, nas minhas leituras habituais acabo encontrando declarações e afirmações que despertam não só a minha atenção como o meu interesse. Atenção porque se trata de pessoas famosas, inteligentes, respeitadas, intelectuais, e o meu interesse pelo conteúdo do que às vezes leio, ora com traços mal disfarçados de um certo elitismo que os autores nem se preocupam em esconder. Talvez eu não tenha nada a ver com isso, mas pensei diferente e resolvi comentar. Vou começar dizendo que não sou daqueles que, mesmo com imagem e postura de intelectuais, costumam dizer que não gostam de nada que o povo goste. Se é algo muito popular, essas pessoas preferem evitar. Mas será que evitam mesmo? Se eles afirmam vou acreditar que sim. É um direito deles, mas que é censurável, lá isso é. Pelo menos os vejo escrever, declarando que, se o povo aprova, se o povo aprecia, se o povo aplaude, eles preferem ficar distante daquilo. Lendo, sente-se que parece haver uma mal escondida aversão ao popular. Nem vou chegar ao extremo de dizer que se trata de reação preconceituosa porque não estou aqui para julgar ninguém, e sim para dar a minha opinião. Esta ninguém me pode impedir de dar. Às vezes ouço, outras vejo leio, pessoas dizerem que “não vejo TV”, “não gosto de futebol”, etc e tal. Já vi alguém afirmar com todas as letras que “a vontade do povo é de imensa mediocridade”. Se não partisse de quem partiu eu pensaria muito mal do autor que escreveu isso, mas quem sou eu?! Só não posso aplaudir. É claro que para comentários assim terem algum enredo, alguma história, algum tipo de justificativa, eles vão buscar fatos e exemplos que de alguma forma deixem o povo numa situação inferior. Com sua competência e talento, mergulham no tempo e desfilam fatos históricos nos quais o povo, mesmo como vítima, passa a ser acusado de apoiar guerras, lideranças ardilosas que levaram ao desastre países e apoiaram tantas mortes, etc. Dirigem o raciocínio atendendo ao seu interesse. A análise é conduzida de forma que a culpa recaia sempre sobre… o povo, não sobre políticos ou militares que, com ameaças, armas ou promessas vãs, os conduzem a tal estado. Parece que o mais importante é repelir, é acusar, o povo, claro. E não se consideram elitistas, talvez “aristocratas”, como dizem. Concordo que o homem, quando isolado, quando só, houve mais sua consciência, pode ter uma postura bem diferente do que quando em grupo. Neste caso, sabe-se que geralmente ele assume o que alguns chamam de “consciência grupal”. Se por um lado isto pode conduzi-lo a assumir uma certa agressividade ou violência irresponsável que, estando só, jamais usaria, por outro, nem sempre quando as pessoas se agrupam partem para tal objetivo. Os exemplos também estão aí através da História dos povos. No caso da Segunda Grande Guerra Mundial, se Hitler empolgou grande parte dos alemães, o mesmo não se pode dizer em relação a outros países da Europa invadida, em especial, a França. Os senhores intelectuais sabem, mas pulam esta parte quando teriam que admitir que o apoio incondicional ao nazismo partiu foi da aristocracia francesa, não do povo. Este uniu-se, armou-se, como pode para uma resistência feroz e corajosa que custou muitas vidas. Porém havia que lutar. Quantas ditaduras caíram graças à ação e resistência de grande parte de um povo massacrado, humilhado, subjugado, e não à aristocracia de cada país? A mesma Europa tem vários exemplos desses. Sei que eles conhecem cada exemplo, mas não interessa dar realce. Afinal como um deles escreveu, e eu repito, “a vontade do povo é de imensa mediocridade.” Que barbaridade!! Vamos falar agora de gostos e preferências, tal como eles o fazem. Digo que desde muito jovem eu aprendi a gostar de música clássica, e a entendê-la, graças a meu pai português. Também aprecio Bach, mas igualmente Mozart, Schubert, Beethoven, Chopin, Tchaikovisky, entre outros. Claro que o momento, o sentimento vivido, seleciona o estilo a ouvir. Isto não quer dizer que me tenha alheado do melhor da nossa MPB, isso não. Afinal não sou nem serei jamais elitista, muito menos aristocrata, e já estou com quase 74 anos. Também confesso gostar de Fernando Pessoa, do saudoso Saramago, porém jamais deixaria de lembrar nossos melhores poetas e escritores em cujos livros modestamente aprendi muito do que hoje eu sei e me ajuda nos meus escritos. Não poderia abandonar nossos excelentes compositores, alguns poetas da melhor qualidade, muitos nascidos e oriundos do seio do nosso povo. Há tantos desses a lembrar, porém vou citar apenas Cartola. Não tenho espaço aqui para todos. Sobre um inter-relacionamento entre o povo e o que de melhor exista, por exemplo, no campo da música clássica, afirmo que nos quatro anos que vivi na Europa testemunhei concertos apresentados em jardins, em bosques, em praças públicas, onde o povo assistia e aplaudia cada execução das Orquestras Sinfônicas, muitos de pé, outros sentados no chão ou em bancos. Cito a França, especialmente em Paris, sob um bosque no Jardim de Luxemburgo, assim como em Viena, na Áustria, na Itália, em diversas cidades, e outros países. O povo comparece sempre. Presenciei vários desses concertos por lá. Mas, como já garanti não ser elitista, quero lembrar que aqui mesmo, no Brasil, quando já foi dada a oportunidade ao nosso povo de apreciar apresentações de nossas Orquestras Sinfônicas, sempre houve uma presença maciça. Isto já ocorreu principalmente no Rio e em S. Paulo, em lugares públicos. Dizer que o povo não gosta ou não tem sensibilidade para se emocionar ouvindo música clássica é mesmo, ou não entender nada de povo, ou querer parecer diferente. É ir também contra a opinião de nossos melhores maestros. Dar como exemplo que povo é apenas mediocridade, culpa-lo por assaltos, crimes, vendas de votos a políticos corruptos e corruptores, chamá-lo de “prostituta”, dizer que povo não pensa, que age só por interesses escusos, na minha modesta opinião é uma generalização maldosa e cruel que me custa a crer que alguém tão intelectualizado tenha escrito isto. Mas escreveu. Povo não gosta só de mentiras, não é verdade, e se muitos seguem os “falsos profetas” de hoje em dia, pastores, missionários, pregadores muitos que arrebanham multidões, que prometem o “céu” e cobram dízimos de acordo com a classe social de seus adeptos, é porque não têm enxergado esperança de onde ela deveria vir. E não culpem só o povo pelos governos eleitos, a aristocracia também vota e gosta que atendam aos seus interesses, seja qual for a origem dos políticos. Por falar nisso de que lado acham que ela estava durante a ditadura militar? Se a voz do povo é a voz de Deus, não sei, até porque quanto à crença da existência de um Ser Maior que tantos chamam de Deus eu tenho hoje uma opinião muito pessoal, mas sei que estou bem acompanhado, pois muitos filósofos também tinham a mesma convicção. Reafirmo que não sou ateu. Por outro lado, se um ou alguns elementos desqualificados, oriundos do povo, agridem a natureza, sejam animais, sejam árvores ou plantas, ipês por exemplo, e destroem-nos, é porque têm instinto muito baixo, concordo plenamente. Até porque eu tenho aqui em casa uma convivência pacífica, maravilhosa, com a natureza, inclusive passarinhos, como sempre lhes conto. Agora, daí a se lançar a pecha de torturador, violento, criminoso, no povo, de uma maneira meio generalizada, por um ou alguns exemplos daqueles, sinceramente é odiar mesmo a gente a que se pertence já que não pode negar a sua origem, embora tente fazer tudo para se ver livre do que a vida lhe destinou. Eu então fico a pensar e me pergunto: realmente que deserto horrível e seco deve ser a alma de qualquer criminoso. Só que aí também me ocorre: e como será o espírito de pessoas preconceituosas, elitistas, que mal disfarçam esta aversão ao próximo, sendo ele povo, querendo-o, de preferência, o mais longe de si possível?
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