Sei que a televisão brasileira merece muitas críticas, eu mesmo já as fiz, porque de uma maneira geral seus programas são de um nível não só de profundo mau gosto como deseducam e mesmo chegam, em alguns casos, a só divulgar o que há de pior em nossa sociedade. Até mesmo nas novelas. Acabam ganhando audiência com isso, o que também é profundamente preocupante, se considerarmos o público que acaba lhes proporcionando esses tais "recordes" de audiência, que, a meu ver, ou são manipulados ou retratam um quadro ainda mais triste, pois traduzem a mediocridade que campeia por este país afora, mas que felizmente tem algumas magníficas exceções. A TV Cultura, por exemplo, tem sido um oásis no deserto dessa mediocridade televisiva. Eu recebo semanalmente, em caráter pessoal, a comunicação que me vem da equipe do programa do bravo Rolando Boldrin, trazendo tudo que irá acontecer no próximo programa. Ele ocorre às terças, ali pelas 22:00 hs. e é repetido aos domingos às 10 hs. da manhã. Não percam. Eu recomendo. Hoje, porém, eu quero mesmo é lhes dizer da minha imensa satisfação em ter assistido, na semana passada, na TV – Gazeta, ao programa do Ronnie Von. De uma maneira geral ele costuma selecionar muito bem os seus convidados, porém eventualmente tem lá os seus baixos também quando apresenta quadros em que pessoas comentam a programação das TVs e algumas abusam das fofocas. Foi Lena quem me chamou a atenção naquela noite quando percebeu que um dos convidados era, nada mais nada menos, que João Carlos Martins. Se alguém disser que não o conhece já lhe aplico um forte puxão de orelhas. Trata-se de um exímio pianista, brasileiro, sim senhor, com talento reconhecido pelo mundo afora há muitas décadas. João Carlos Martins, há algum tempo atrás, sofreu uma doença que lhe tirou os movimentos de ambas as mãos. O pianista, ser humano da melhor qualidade, exemplo para os que se abatem diante da menor das dificuldades que a vida lhe ofereça, exibiu-se na Europa e nos EUA, tocando peças clássicas com apenas dois dedos, um de cada mão.xibiu-se na Europa e nos EUA tocando peças cliculdades que a vida lhe ofereça, que Jomente tem l Um dos maiores exemplos de superação a que eu já assisti. Segundo ele disse no programa do Ronnie Von, teria feito uma cirurgia, mais recentemente, que está lhe permitindo, com muita tenacidade, usar quase todos os dedos da mão esquerda, com dificuldade, é verdade, mas com o mesmo talento com que sempre tocou. Provou isso ao tocar, no programa, uma peça de Rachmaninov, usando da mão direita, eventualmente, apenas um dedo. Não sei se todos sabem, mas antes de voltar a tocar, mesmo com as limitações que lhe foram impostas pela tal doença, João Carlos Martins se dedicou a apresentações como maestro. Porém ele nunca desistiu e jamais desistirá do piano. Martins fez declarações no programa que só aumentam ainda mais a imensa admiração que tenho pelo ser humano que ele é. Disse que tem realizado com afinco um trabalho tanto na periferia de S. Paulo, junto a crianças e jovens, e foi mais além, afirmou ter ido até à periferia da chamada periferia. Se disse surpreso com a excelente receptividade por ele encontrada inclusive quanto ao interesse em saberem, em aprenderem o que ele tinha a dizer e a ensinar com sua vasta experiência como músico, pianista internacional e maestro. Ele está certo, se nossos governos tivessem interesse em levar mais cultura ao chamado povão com certeza essa garotada cresceria com outro horizonte de vida. Todos sabemos que o crime só se torna mais organizado e presente onde o governo, além de desorganizado e desinteressado, se faz ausente. Entretanto acham que dá mais Ibope na TV entrar com violência nas favelas, nessas comunidades carentes, produzindo ainda mais violência e vítimas, muitas das quais pessoas inocentes. Algumas poucas vezes em que já testemunhamos a Orquestra Sinfônica Brasileira, por exemplo, se apresentar em lugares públicos, como na Quinta da Boa Vista, no Rio, vimos a presença maciça de pessoas que jamais poderiam sonhar em entrar num teatro e assistir a um espetáculo daqueles. Havia um interesse muito grande pela música dos grandes mestres. Eles vibravam e aplaudiam muito. Voltando ao nosso João Carlos Martins, ele comunicou também que em Outubro, nos EUA, estará participando de um show que, entre outras coisas comemorará os 89 anos de vida do saxofonista e pianista americano, David Brubeck. E eu me lembro que nos anos 60 e 70, especialmente, obtive quase todos os discos deste fantástico artista do jazz da melhor qualidade. Sou fã ardoroso do som dele. Ronnie Von estava feliz e tinha muita razão. Afirmou que somente num programa como o dele se conseguia juntar um expoente da música clássica, brasileira e internacional, com outro expoente da nossa música regional, autêntica, da mais pura brasilidade, o conhecido, e abandonado pela grande mídia, "Pena Branca". Pena Branca é um autêntico representante de nossas raízes, iniciou sua carreira em 1958, com o irmão Xavantinho, que faleceu em 1999. Ouvindo-o tocar e falar fica-se emocionado com sua simplicidade, serenidade e alegria. Entre vários prêmios que obteve com sua música logrou conquistar, em 2001, o "Latin Grammy Awards" de melhor disco sertanejo. Este é o maior prêmio concedido ao trabalho de um músico. Ele representa a verdadeira música sertaneja, não a que hoje é tão difundida como tal, e que, segundo alguns é "uma forma diluída, esquizofrênica e estereotipada da música rural". Foi emocionante ver os dois artistas, juntos, a conversar sobre a vida, sobre música, suas experiências, enquanto Ronnie Von "se babava" de felicidade. Nota 10 para aquele programa. Antes dos dois fora apresentada também uma jovem cantora portuguesa com voz suave, doce, que interpretou três canções, todas de autores brasileiros, inclusive Chico Buarque de Holanda. Ao Ronnie Von, que conheci pessoalmente nos anos 60, mas jamais ele se lembraria de mim, claro, os meus efusivos aplausos. Bom gosto sei que ele tem de sobra, pelo cenário que troca a cada mês, por sua impecável elegância, sua postura de um gentleman, sem jamais pender para o pernosticismo. Parabéns Ronnie.
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