Pois é, houve um dia em que a esperança mudou de cor, despiu o verde e adornou-se do vermelho e do branco. Tudo começou há mais de duas décadas. Ela surgia um tanto tímida, embora determinada a iniciar uma trajetória, por mais longa que fosse, mas na qual plantaria sementes a frutificar num futuro onde ela pudesse florescer, definitivamente, junto com uma nova alvorada. No transcorrer de sua jornada, ela se fortalecia mais e mais, já se anunciava aos quatro cantos deste chão imenso, conquistava apoios em vários níveis de uma sociedade historicamente avessa a mudanças de rumo que lhe despertassem insegurança. A esperança floria, tornava-se viçosa, era bem evidente o fato, porém ainda não o suficiente para se impor como realidade. Ainda lhe proibiam o jardim. Mas, o exercício da esperança estimulava muitos corações e mentes. Aos poucos falava mais alto, se espargia com uma forte fé, mas no que ainda seria inalcançável. Isso aconteceria porque a própria esperança ainda assustava e acabava por alimentar um medo sensabor, mas altamente conservador, apoiado em discursos de uma pregação impregnada de um alarmismo, muito próprio de quem teme o novo. Ela continuou a amargar tropeços, derrotas, mas se mostrava perseverante, deixando claro que não desistiria de alcançar a sua meta. A esperança continuou a crescer, deu sinais de mais vitalidade, mas não venceria ainda as tramas, as intrigas e conspirações que uma determinada inquietação justificava ante a noção de um perigo que afirmava ser real, e que portanto de tudo faria para evitá-lo. E o fez mesmo. A esperança ainda era vista como uma ameaça, e o medo acabaria por mostrar-se mais eficiente, vencedor. Ilações com as novas cores assumidas pela esperança, e posições e discursos antigos, instigavam premissas, as mais variadas, que levavam a conclusões que reforçavam os sentimentos de temor, e a confiança se apegava mais e mais ao próprio medo. Este continuaria vencendo, já que a esperança não convencia o suficiente para se impor com respaldo democrático. Assumir-se num jardim onde prevaleciam outras cores, adubos que pareciam fortalecer plantas incompatíveis com o desabrochar de uma esperança que era justamente o contraposto dos interesses daqueles jardineiros, da visão egoísta de uma jardinagem nada solidária com a arte de cultivo exigida pela nova esperança, parecia um sonho que breve seria sepultado como uma utopia, uma quimera desfolhada. Todavia, com o passar do tempo a confiança iniciou aos poucos o seu processo de divórcio, de afastamento, do mesmo medo que a conquistara anteriormente, visto que muitas das verdades que compunham a sua bandeira começavam então a se diluir em mentiras, em imposturas, em fraudes de palavras e de atos. A confiança começava a dar sinais de que buscava um novo amanhecer, longe das trevas da inquietação, do susto, do temor, do próprio medo, o qual ela agora já encarava com os olhos da desconfiança. Ela já não mais se encontrava nos ditames de uma segurança que desmerecia de sua fé, de seu crédito absoluto. Àquela altura a esperança se renovava e mais florescia. Finalmente as sementes plantadas ao longo de um caminho que atravessou fases de escuridão, de tormentas, de ardis variados que de tudo faziam para bloquear os seus passos, germinavam mais e mais. Eram décadas de uma expectativa de quem não desistia de ver enfim o florejar de novas cores, de novas virtudes, de novas idéias, determinações e conceitos. Nos campos, nos cerrados, nas cidades, nas janelas, pelas ruas, a nova esperança insistia em cantar, em levar seu recado até onde houvesse uma alma disposta a ouvi-la. Cheguei a me lembrar de janeiro/2002 quando escrevi a crônica “O Distrato dos Direitos do Homem”, em cima de “Os estatutos do Homem”, este escrito pelo nosso grande poeta Thiago de Mello, em abril de 1964. Esta sua obra faz parte de algo ainda maior, o seu livro “Faz escuro mas eu canto.” Mas, “Os Estatutos do Direito do Homem” são, acima de tudo, uma celebração da vida. É o poeta demonstrando fé no amanhã, nos valores eternos do homem e na sua indiscutível vocação para a paz, como está dito na nova edição. Vejam só, amigos e amigas, “fé no amanhã, nos valores eternos do homem e na sua indiscutível vocação para a paz”, motivos mais do que suficientes para sustentar qualquer esperança viva por uma eternidade. E foi assim que cada vez mais corações e mentes passaram a adotar a nova esperança. Sem pejo, sobrepujando a timidez antiga, um certo preconceito que emergia sempre alimentado pelo próprio medo, quase 53 milhões de almas ergueram suas cabeças, levantaram uma nova bandeira, plantaram nova semente em seus corações, venceram o “escuro” ameaçador e insistente do medo, acenderam uma nova luz, e tomaram a esperança, que de há muito mudara de cor, e a plantaram no nosso jardim. “Será o início de uma caminhada envolvendo o anoitecer e o amanhecer. Se pudermos compreender que não existe mais esquerda, centro ou direita, e que o Deus do mundo é a produção, estaremos reencontrando a estrada do desenvolvimento e do crescimento, reentrando no tão abandonado caminho da Independência.” “Não a Independência permitida, a Independência consentida, a Independência assistida. E sim a Independência conquistada, mantida com todo o amor, com a nobreza do trabalho, com a generosidade da realização coletiva.” Estas palavras eu retirei de um artigo do jornalista Hélio Fernandes, no dia 03.01.2003. Ajudei também a plantar esta esperança. Que ela floresça e mude o tom de nosso imenso jardim. Por outro lado, que ninguém se atreva a trair os anseios, a espera, a expectativa, a confiança, o amor de tantos milhões de jardineiros, cuja profissão de fé, há muito tempo, tem sido mesmo a própria esperança.
Inicial O DIA EM QUE A ESPERANÇA MUDOU DE COR.